28.2.07

BaudelaireXVI - A VOZ

Meu berço ao pé da biblioteca se estendia,
Babel onde a ficção e ciência, tudo, o espolio
Da cinza negra ao pó do Lácio se fundia.

Eu tinha ali a mesma altura de um in-fólio.
Duas vozes ouvi.
Uma, insidiosa, a mim
Dizia: "A Terra é um bolo apetitoso à goela;
Eu posso (e teu prazer seria então sem fim!)
Dar-te uma gula tão imensa quanto a dela.

"A outra:
"Vem! Vem viajar nos sonhos que semeias,
Além da realidade e do que além é infindo!"
E essa cantava como o vento nas areias,
Fantasma não se sabe ao certo de onde vindo,
Que o ouvido ao mesmo tempo atemoriza e afaga.

Eu te respondi: "Sim, doce voz!"
É de então
Que data o que afinal se diz ser minha chaga,
Minha fatalidade.

E por trás de telão
Dessa existência imensa,
e no mais negro abismo,
Distintamente eu vejo os mundos singulares,
E, vítima do lúcido êxtase em que cismo,
Arrasto répteis a morder-me os calcanhares.

E assim como um profeta é que, desde esse dia,
Amo o deserto e a solidão do mar largo;
Que sorrio no luto e choro na alegria,
E apraz-me como suave o vinho mais amargo;
Que os fatos mais sombrios tomo por risonhos,
E que, de olhos no céu, tropeço e avanço aos poucos.

Mas a voz consola e diz: "Guarda teus sonhos:
Os sábios não os têm tão belos quanto os loucos!"

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