29.5.09

Sobre cafuné e canções de ninar (III)


Para Nietzsche e Tiça

(o sol deste poema)

medo não leva à nada

além de desespero e angústia


um peso muitas vezes

impossível de ser carregado

por ombros largos de encantamento

num coração estreito de desejo

-azul e rosa como nossos cadernos de notas-


um lilás clarinho

-uma nuance cega-

quase desapercebida por olhos

desavisados


respirar fundo e

criar coragem

-difícil que torna-se fácil-

quando permitimos

que a sinceridade

nos invada

como um sopro

-uma pena de pássaro-


leveza na alma

em uma nova vida

que se cria

em dois antigos

conhecidos

-corações-


medo revelado

abre portas

e estampa no rosto

uma alegria florida


respiração perde

o arfar

das angústias

do dia-a-dia

e o mundo

fica roxo

em nossas veias


tal como se a vida

-congelada-

tomasse fôlego

para silenciosamente

derreter o gelo

-guardado no freezer-


um tom roxo de chama de fogão

ou um vermelho alaranjado

de brasa de cigarro

queimando lentamente

no sozinho do cinzeiro


não estamos sós

não estamos

- mais-

sós

nem precisamos nos esconder

embaixo de cadeiras

para estarmos juntos


[sabemos que a estrada é longa e o caminho tortuoso]


(ainda teremos que nos esconder de quando em vez)

-de vez em quando-

(por enquanto)


pode ter parecido cedo

precipitado até

esse revelar

-para alguns-

talvez não estivessem preparados,

mas

não importam os outros

se o nosso sol

-brilha-


se o nosso sol aquece o frio

e protege nossas mãos

com a eletricidade

de um relâmpago


o nosso sol

-brilha-

e abençoa

o sentimento mais puro

e denso

que derrama

em nós

que surge do nós

-de nós dois-

de nosso riacho


pouco importam os outros

se o nosso sol

-carinhoso e profundo-


abençoa esse bem estar

-meu e seu-


nosso estar junto

e completamente apaixonados.


o nosso amar

pode ser visto

de cima

de uma montanha

alta

muito alta

e o sol

acredita em nossos sorrisos


o seu crescer é

o nosso crescer

quando o meu

crescida

volta a ser criança

e a sua pouca qualquer coisa

- idade -

passa a ser uma tanta

- idade-


[grandiosidade de alma]

da sua alma


uma alma corroída pelo vento

num tempo mutante

que é hoje

e agora


nos anoiteceres

de hoje

o meu estar ao seu lado

é tudo que quero

e as lágrimas

escorrem tímidas

do meu rosto

-agora-


escorrem tímidas

-agora-

que estou no ônibus

e penso

em você


elas representam

o seu coração

que bate em e por

-mim-

e o meu coração que

também bate

- por e em -

você


nossos corações

amarrados

com laço de fita

-de cetim-

batem forte

juntos

protegidos

forte


[batem]


e eles falam francês

a língua mais próxima de traduzir

o sentimento verdadeiro


- sentimento diamante lapidado-


a linguagem mais bela

e perto

de descrever

a fortaleza que bate

em nossos corpos


a leveza que exala

dos nossos corpos


a simplicidade

do que sentimos

um pelo outro


e isso não tem outro nome

senão amor


um amor sem ser banal

um amor simples

e de verdade


[um amar precioso e puro abençoado pelo sol]

28.5.09

Sobre sorrisos e um dia de sol (IV)


olhar para você

é como

estar

num oceano

-perdida-


longe da costa

num navio sem âncora

-sem bote-

sem saber nadar


num mar bravio

com grandes ondas

-afundo-


meus pés

fazem cócegas

nos peixinhos

e dançam

como bailarinas

no Municipal


[um espetáculo de dança contemporânea]


me afogo em teus olhos

-agito os braços-


bebo litros e litros de água

e não paro de respirar


você

é meu colete

salva-vidas


mesmo afogada

estou viva

em suas mãos.

Soneto 43 - Elizabeth Barrett Browning (1806-1861)

De quantas formas eu te amo? Deixa-me contá-las.
Amo-te profunda e largamente, e tão alto quanto
Alcança a minha alma, quando perco de vista
Os propósitos do Ser e os ideais da Graça.
Amo-te tanto quanto as menores necessidades
Do dia-a-dia, seja à luz do sol ou à luz de velas.
Amo-te livremente, como os homens lutam pelo Direito;
Amo-te puramente, como rejeitam o Elogio.
Amo-te com a paixão que tenho pelas
Minhas tristezas mais antigas, e com minha fé infantil.
Amo-te com um amor que pensei ter perdido
Com os santos que perdi …Amo-te com o alento,
Sorrisos e lágrimas de toda a minha vida! …e, se Deus quiser,
Irei amá-lo ainda mais depois que eu morrer.

Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta

27.5.09

Fofura!!!!

Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar

Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.

Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?

Mais parece um relógio
que acaba de enlouquecer.

Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?
.

(Paulo Leminski)

Sobre sorrisos e um dia de sol (III)


longe de você
os dias passam
-arrastados-

parecem animais
-sem patas-
e rastejam
-por uma terra imunda-
à procura
de um alimento
-inexistente-

tal qual
um País
distante
ou uma faca
-afiada-

que dilacera
-pica em pedaços-
abre feridas

ou um idioma
-sem domínio-
que não entendemos

-estar sem você-
é como estar perdido

ao mesmo tempo que

quando
sem você
-perdida-
estou

-sem você-
fico também
completamente
-perdida-

desencontrada
naquilo seu
que percebo
-mundo novo-
a ser descoberto

percebido
-encontrado-

no abraço que se cala
diante da grandiosidade

-do sentimento-

que nasce do encontro
dos nossos corpos suaves
-colados-

e das nossas cicatrizes
-costuradas-
no colchão
-quando-


amanhece.

Very Nice...




Rules:
a. Type your answer to each of the questions below into Flickr Search (http://www.flickr.com/).
b. Using ONLY the first page, pick an image.
c. Copy and paste each of the URLs for the images into Mosaic Maker. Change rows to 3 and columns to 3 (http://bighugelabs.com/flickr/mosaic.php).
d. Save the image and post it on this note!
e. If you’re tagged, pass it on. And tag me.

The Questions:

(my answers are in bold and italics)

1. What is your first name? Juliana
2. What is your favorite food? French Fries
3. What is your favorite color? pink
4. Favorite drink? Blood Mary
5. Dream vacation? Spain
6. Favorite hobby? Poetry
7. What you want to be when you grow up? Sucessfull
8. What do you love most in life? To Love
9. One word to describe you? Dreamer




Daqui

26.5.09

Sobre insônia ou lindos sorrisos (II)


faz frio

deste lado

da janela

enquanto o sol

derrete a imensidão

-que caminha-

por entre árvores

-lá fora-


mãos geladas

- cabeça que dói-

na impossibilidade

de te ver hoje

-talvez-


para respirar

preciso do seu sorriso,

menino

-da sua voz de menino-


das suas mãos quentes

-sua voz grave-


mistura-se

à música

dos meus ouvidos

e me faz sonhar


-e sentir-

você perto


você que me aquece

num dia de outono

numa noite; primavera

você que

verão


eu quero te ver

-preciso te ver-

para que o escuro da noite

derreta


meu coração

só bate

por te ver


[precisa de você]


o sol

derrete tudo

-lá fora-


aqui dentro

sem você

só gelo.


Sobre sorrisos e um dia de sol (II)


flores despetaladas

-no caos-


um frio na barriga que repele

-os medos-


eu passo dias

com frio na barriga

quando lembro de nós

e da mesma sensação

-do despertar-


de todo início

-dos riscos-


do caos nos finais de dia

nos inícios de noite


tudo o que apavora

fica colorido

com a velocidade

do lembrar


quando o arrepio

que você

me faz sentir

-não é de medo-

e só de susto


quando o vulto

que descola

de você

-entra em mim-

e sinto seu coração

bater em meu peito

tal qual um bumbo


-coordenado-


com o tambor

do meu


sinto seu coração no peito

e o meu

na garganta

a querer saltar

de mim

para encontrar

com o seu


e eu sei que você

também sente

a minha percussão

-por dentro-

a invadir

você

-por dentro-


e a gente sai

-de repente-

da Bahia


e vira orquestra sinfônica

em Veneza

– a navegar por canais-


das gôndolas

fotografamos estátuas

obras de arte

e desejamos remar


partimos de palavras,

conversas

para silêncios necessários

e abraços apertados

até quando

nos teletransportamos


para sentir a eternidade perto

para observar as gérberas

com todos os detalhes


-as rosas – a rosa – a sua rosa-


e o que respira

e fura

- morde –


o que invade

e pula da ponte

e passa de mim

para você

-enquanto encontro-


desejo que pensa

e pulsa! - exclama a alma


em sintonia

com o que se percebe

do amor

-seu por mim e meu para você-


[gérberas despetaladas no caos]


a invencibilidade

-assusta-

a fortaleza

-assusta-,

mas os degraus

da escada

são firmes

muito firmes.

22.5.09

A mulher insistente - João Paulo Cuenca

1.

Desviamos dos automóveis abandonados no viaduto, saltamos sobre seus capôs, abrimos caminho batendo as portas abertas. Aos poucos, deixamos de olhar para dentro dos carros na esperança de encontrar alguém. Abaixo do elevado, o Rio Comprido desaparece sob incêndios, explosões e colunas de fumaça. Não há qualquer prova de vida por ali. Os gritos e sirenes já deixaram de soar quando, atrás de nós, o Túnel Rebouças desmorona soltando uma língua de fogo.

Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.

2.

O bonde lotado acelera zunindo, desce os trilhos de Santa Teresa com os estudantes sobre os estribos levando vento na cara até chegar ao corredor gradeado dos Arcos. Há um instante de interrupção naquele movimento, quando enxergamos o casario da Lapa e o paliteiro do Centro nos olhos um do outro. Depois, é a queda. O piso da composição nos falta sob os pés ao percebermos que os Arcos desabam lentamente por trás do nosso caminho, como uma sequência de dominós em queda que não demorará a nos alcançar.

Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.

3.

Por trás do semicírculo noturno da Praia de Copacabana, vemos o horizonte se expandir em silêncio. Os carros e pedestres que lotam a orla só perceberão a onda quando ela estiver a poucos metros da areia. A espuma apaga os postes, um rio turvo e caudaloso ganha as ruas. Cada nova onda faz o chão d’água balançar e subir de nível, os carros flutuam e chocam-se contra a fachada dos prédios, invadem janelas ao som de pequenas explosões. Saímos do quarto e subimos a escada de dois em dois degraus rumo à cobertura.

Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.

4.

O trânsito na Presidente Vargas está parado há alguns minutos e o 415 é um amontoado estático de corpos suados até que um grito inaugure a cena. Nossa pequena multidão começa a empurrar-se na direção contrária ao grupo de homens armados que pula a roleta e toma o ônibus, atirando ao acaso em um ou outro passageiro. Um grupo força a janela de emergência no teto do carro e é por lá que saímos, desviando das balas que perfuram a carroceria por baixo dos nossos pés.

Enquanto avançamos, você insiste em ter sua mão presa à minha. Não vai soltar.

5.

Por mais que eu lhe convença do contrário.


*Simplesmente lindo. Como tudo que esse cara escreve.

*Aiai!

Para cantar... (II)



eu não gosto das coisas que você
por muito, muito tempo
deixou de falar

você me mostra esses olhos tristonhos
toda vez que você decide desistir

e quando você sorri seus olhos tristonhos
parecem ainda mais tristes

outono pede olhos tristes
-e eles me fazem sorrir; gargalhar-

vou tomar banho ou fazer o jantar
e ainda esperarei algumas horas
antes de você chegar
-passar pela porta-

eu posso dizer que você é solitário
e isso dá a impressão
que não há nada que eu possa fazer
então eu não vou tentar
tirar a tristeza
dos seus olhos
que tanto amo
deixe eles abertos para que
outra pessoa os veja

e quando você sorrir
com esses olhos tristes
-tristonhos-
eles vão parecer ainda mais tristes

tentando te manter por perto
-o meu amor mais leve que uma pena-
olhos tristes, amor
-já passou tanto tempo-
mantenha o meu coração longe da escuridão
venha passar o dia
-em minha companhia-

Bat for lashes -Sad eyes

*Tradução livre: Juliana Hollanda

Sobre cafuné e canções de ninar (II)

Da série: "Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz"

ou

"She &Him"


Querido "You",


Ela soube agora que você esteve doente ou será que ainda está? Alguma coisa a inquieta em se saber longe nesse momento difícil em que certamente, você precisou dela – precisou dela, digo – da mão dela em sua testa a acalmar a sua febre, ao esconder o frio da sua pele. A mão dela no seu pescoço a te aquecer.


Alguma coisa a inquieta, pois ela quis ligar para saber como todos estavam e hoje recebeu a notícia de quem adoeceu – foi você e ela não pôde estar perto. Não porque ela não quisesse, mas é que essa situação clandestina esse querer [e poder], esse ter que medir palavras; atitudes [para não dar muita bandeira] – essa entrega que precisa de tantas viagens de correio – essas palavras presas na garganta. Esse esconder necessário. Esse até quando?!


Ela tem pensado muito em você e isso a inquieta. Ela tem escrito muito pensando em você. Escuta música pensando em você. Respira, caminha, dorme – pensando em você. E é tudo tão perigoso, mas tão bom o bonito também - que ela pensa que a beleza que surge do risco pode ser tão ou mais duradoura para não dizer mais pura do que qualquer outro tipo de coisa que nos encha os olhos e o coração de alegria, lágrimas e porquê não; emoção?


Pureza que você a fez sentir desde aquele dia em que a coragem saltou de você – quando você a fez sentir novamente algo que ela tinha esquecido que fora – algo que ela achou que ter sido tantas e tantas vezes, mas em um estágio de entorpecimento, apenas – e não de verdade- de realidade.


A menina que dormia nela - acordou - com o seu menino querendo ser homem – que a sacolejou com mãos firmes quando você disse: “eu te amo” . O “eu te amo” mais delicado e sincero que ela já ouviu. Um “eu te amo” tão puro e verdadeiro.


E essa menina, mesmo com medo, apavorada mesmo, mas corajosa – deseja viver esse amor que vem de você e ela sabe que pode te machucar, não porque deseja isso, mas pode – de alguma forma- te machucar – mas ela sabe também que pode sair machucada desse rolar na grama molhada – existem formigas e lagartas na grama -e – ela é alégica a insetos, mas ela quer você e é tanto que ela quer você... – que seria preciso ela ter uma voz de trombone que gritasse aos quatro cantos do vento – dos oceanos – do mundo – o quanto ela também te ama.


O quanto ela pensa em ti 24 horas por dia. O quanto ela se preocupa com você e o quanto é difícil dormir de noite - sem você - por mais que vocês nunca tenham efetivamente dormido juntos, mesmo tendo dormido juntos tantas vezes - juntos. Tantas e tantas e tantas vezes - juntos.


Muitos podem pensar que isso se dá apenas ao motivo dessa mulher – que voltou ao estado de – ser menina – querer viver mais uma experiência tresloucada, hedonista e inútil. Muitos podem pensar nela como uma devassa doidivana com a libido à flor da pele – desejando colecionar mais um homem em seus lençóis. Muitos podem pensar que ela quer apenas te usar – e a sociedade certamente vai pensar assim, pois o inverso – é normal aos olhos dela [da sociedade] - , mas o que está acontecendo – é um absurdo!


Para as poucas pessoas que sabem – e entendem o que se passa - com a menina e com o homem – isso tem que ser vivido devido à tal intensidade que invade o seu peito e o dela e faz com que o sangue de vocês - bombeie com força – e muita força – assim como o abraço apertado que vocês permitem-se dar um no outro - sempre.


Ela pensa em você. Pensa em você e isso a inquieta – mas o te saber – por perto, a aquieta e acalma, por mais que o medo teime em aparecer vez em quando – ela e você sabem que podem viver isso.


Vai ser bom para os dois, mas será que por mais que seja possível – isso será efetivamente possível? Sem que os dois recebam olhares de reprovação? Será que isso pode ser normal, comum, visto como algo possível? Será que existe essa possibilidade? Deve existir.


Deve ter alguma força maior que faça com que entendam o que se passa dentro dela e de você – talvez seja possível que entendam que o nome disso é AMOR e não apenas mais uma forma de amor, mais uma conquista [falsa], será que é possível que entandam que isso não é mais um nome no caderno? Nem rabiscos no coração? Será que vão entender que isso não é rascunho?


É preciso que seja possível que entendam que essa é a forma mais pura e bela do AMOR. Que isso é AMOR de verdade e precisa ser vivido na essência plena – na plenitude.


Deve ser vivido e está sendo – por mais que esteja sendo vivido- por esse dois que virou um – já há muito, muito tempo – por mais que pouca gente saiba – e saiba não porque foi falado e sim porque foi percebida no ar a energia pairando - O AMOR – saindo do coração da menina para o menino- do homem para a menina – da mulher para o menino; para o homem.


Dela que te ama.


Beijos,


"Her"

21.5.09

Sobre imaginação e sorrisos (II)


Da série: não foi escrito por mim, mas para mim
ou
sempre surpreendida;
lágrimas em suspenso
ou
troca de cartas

-A RESPOSTA-

Querida Hollanda,

Parece até que sou um outro país mandando uma carta pra minha vizinha Hollanda, ou seria, uma prima distante de outro continente? Não sei se sou Itália, ou se sou França, ou Brasil mesmo, mandando uma carta agradecendo pelas influências que vieram daí. Enfim. Cá estou na tessitura de um tenor a cantar novamente as palavras que você me faz sentir. Sou um pouco lírico, mas nem tanto quanto você, pois, a gentileza e o cavalheirismo me fazem ser assim, Inglês.

No teatro sou criança e pareço um pouco com um olhar que vi você fazer ontem, é essa ternura infantil, de criança feliz que tento manter o tempo todo.

Ontem você passou aquele estado de concentração, tão difícil a quem lê e faz poemas longos como os teus, pois, vindos de você, são música, vendo você de pé com o microfone a caminhar entre nuvens, de branco, maquiagem borrada pelas lágrimas e uma voz que desafina lindamente... é ópera.

Assim, espantando as meninas que não se libertaram ainda, trazendo sorriso a quem sabe o que você faz bem, ontem, você disse quem era a quem não te conhecia. Claro que fiquei preocupado quando quase caiu entre os livros, e fiquei um pouco chateado, por pouquíssimos momentos quando entrou no seu transe empurrado pelo Camões. Você ficou falando da dor, da dor, da dor, que vem de dentro, que dói dentro, ou algo assim.


O poema do Camões:

Em prisões baixas fui um tempo atado,
Vergonhoso castigo de meus erros;
Inda agora arrojando levo os ferros
Que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
Que Amor não quer cordeiros nem bezerros;
Vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
Parece-me que estava assi ordenado.

Contentei-me com pouco, conhecendo
Que era o contentamento vergonhoso,
Só por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já agora entendo,
A Morte cega e o Caso duvidoso,
Me fizeram de gostos haver medo.

Estamos aí, almas-gêmeas ou não, nos encontramos. Você me disse várias vezes que me adora, e pode dizer outras mais, pois, eu também te adoro, muito.

Um beijo do seu,

Lord Lake

Sobre fragilidade e árvores centenárias (III)

fogos de artifício

nunca apagam


me disseram que ajuda

andar sobre água


-eu me deixo levar pela correnteza-

me disseram

que ela não pára

e por isso,

eu vou o mais longe

que conseguir


estou num local distante

barcos de pesca passam por mim


-eu caí no sono-

cedo demais


eu gritoquando

não sou ouvida

as ondas abafam meus gritos

-estamos quites-


viro o rosto

para qualquer lugar

onde o vento sopre

e vale à pena

tentar


-estou no aeroporto-

esperando que as luzes se apaguem


-todas as luzes estão apagando-

a dor vai embora

e eu nem vou lembrar


se todas as luzes apagarem

se o elevador parar

se estivermos perdidos

-onde me encontro-


o trem vai parar

dentro

do túnel mais longo


porque você

não me deu

chance

-de escolha-


Ouvindo Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda


sobre aritmética e selvageria (III)


perdi o juizo
eu só gargalho
desde a noite
em que conheci
o homem com uma arma

não que eu estivesse
indefesa
eu só achei melhor
não arranjar confusão
com o homem
-ele tinha uma arma-

talvez eu saiba
o que o impediu
de atirar

pode ter sido o fato de que
você
apareceria
-alguém achou que você não fosse estar lá-


ele teve misericórdia
por um tempo

seria isso uma espécie
de sorte
ou isso seria impossível?

qual a rotina do homem
com a arma

seria isso um tipo de tortura?

você já esteve fora do país
e deve saber
o que pode ser parecido com um homem
com uma arma?

talvez
eu tenha ficado feliz
em te ver

-é difícil de acreditar-

só que agora
estar
perto de você
é um alívio

-isso vai me machucar-
eu não sabia que você viria,
mas sinto
que o estrago
já foi feito.

Ouvindo Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda

sobre passarinhos e asas de borboleta (II)


como um pássaro na corda bamba

ou um bêbado num coral

eu tentei do meu jeito

ser livre


como uma minhoca no anzol

ou um cavaleiro encapuzado

num livro de moda

antigo


eu guardei meus carbonos

para caso

eu fosse esquecida

-recriar-me-


deixe essa sensação de lado

se eu fui infiel

nunca foi à você


como um bebê, que nasceu

ou um bobo da corte

com uma corneta

eu transformei

todos que escaparam de mim


eu juro por esse poema

e por tudo que eu fiz de errado


que eu vou acertar as coisas


Ouvindo Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda


sobre desespero e flores do campo (II)


olho para a rua
e espero notícias
que ela
me conte tudo


ela me olha indiferente
não tenho muito
a observar

tudo sangra
e a cura
pode estar
próxima

eu tenho sangue suficiente
para agüentar
e continuar
- olhando para rua-

uma bala dança em meu cérebro
[essa dança]
pode parar
qualquer dia
-desses-

[o filme acaba nessa cena]

sem que a chuva pare de cair
sem um suspiro do dia

a dança pode parar agora
outra testemunha
se foi

Ouvindo Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda

sobre desespero e flores do campo (I)



em círculos

atravesso o quarteirão

como se ele fosse

um velho vinil

-girando na vitrola-

e não há solução

hoje

e só por hoje

eu fujo da poluição

-de Londres, de São Paulo, da China-


ainda estou molhada

da chuva

que caiu

há pouco

não existem condições climáticas

perfeitas

elas estão longes do ideal,

mas ao menos

elas são

reais

está tudo silencioso

só eu escuto

barulho de bombas

e sirenes


eu vejo fogo em volta do quarteirão

e ele continua lá

estático


- você parece tão pequeno-

e eu estou cansada

de não receber ajuda


você está desaparecido

por semanas


você nunca sai do lugar seguro

eles não vão te pedir para aparecer

eles são educados

você precisa beber alguma coisa

seus olhos estão brilhantes

e pode ser tarde demais

não há como

saber

não há remédio

atravesso o quarteirão

incendiado

- em círculos-


Ouvindo Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda

Para sentir ....



o filme que passou é triste e chato
a manhã explode como um sino rouco
- afogado-
esquecer você é como inspirar água

[deve ter uma maneira melhor]

uma coisa que você me disse uma vez
me fez pensar
sobre o que pode sumir
tão rápido quanto
o amor

-primeiro o raio e depois o trovão-

eu fiquei acordada a noite toda
e agora entendi

-dinamite-

todo dia eu faço as coisas
vagarosamente

tenho andado em círculos
em volta da sua casa

tenho algo a acrescentar
às coisas que você me mostrou
e eu guardo
aqui
embaixo do casaco
-dinamite-

Dynamite - Stina Nordenstam

*Tradução livre - Juliana Hollanda

+ F. Pessoa

Quer pouco, terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

Fernando Pessoa


Temos, todos que vivemos,

Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Sobre sorrisos e um dia de sol (I)



Da série: " Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."


-Fernando Pessoa -


ontem na papelaria

vi um caderno

de páginas azuis turquesa


meus olhos encheram de água

quando descobri que não poderia

embrulhar o sol de presente

para te dar


vi naquelas páginas

um céu vazio

para o

-eu e você-

enfeitar


eu não posso

[te dar o sol]


e os meus olhos

se encheram de lágrima

porque eu lembrei

que eu também não posso

te dar nuvens

e nem gaivotas


e eu odeio

não poder

te dar

essas coisas


eu não posso

te dar de presente

nada disso


eu só posso te dar

a minha respiração ofegante

ao sentir que seu coração

também bate forte

à medida que a sua respiração

fica cada vez mais

próxima


mais ofegante

-de mim-

mais forte

-em mim-


eu só sei que

não posso deixar você ir

e que a gente

tem que aprender

a respirar


[inspirar,expirar]


vagarosa e lentamente

-respirar-


eu não posso deixar você ir

não quero deixar

-você-

ir


e comprei

o caderno

na papelaria


sei que não posso

te dar

minha sombra,

minha pele,

nem canções de amor

sem propósito


naõ posso te presentear

com coqueiros

e nem com gaivotas


é tão bom te ver nas páginas vazias

de um caderno azul turquesa

que mesmo que eu não possa

montar um céu tradicional

-com peças originais-

como o sol e suas nuvens


eu sei que posso

lembrar de você


e desenhar

Sobre insônia e lindos sorrisos (II)





Da série: "acordo de noite subitamente.

E o meu relógio ocupa a noite toda

(...)"


-Fernando Pessoa-


pesadelo só aparece

no sonho

de quem tem medo

do escuro


lembro que uma vez

você disse

que raras vezes

você teve um


-eu tenho-

medo do escuro,

da noite,

do breu


[ao inverso de você]


eu tenho medo, muito

medo

e meus sonhos quase sempre

são invadidos por monstros,

fantasmas, alienígenas


e também por homens

[aterrorizantes, ameaçadores]

com facas em punho

e armas engatilhadas

que apontam pra minha cabeça

sem pena


eu tenho medo do escuro

da noite

quando você

não está ao meu lado

-feito uma bolsa à tiracolo-

que guarda

todos os meus pertences

e segredos

-dentro-


você me tira os medos

-supostos e existentes-

e me protege dos pesadelos

nas noites de breu

e na escuridão

que nos impede

de dormir


quando você me acalma

e canta suas angústias, vivências

e desejos no pé do meu ouvido

e sussurra baixinho, bem baixinho...

eu te amo


sinto um sopro

um arrepio...

e digo que

te espero

“de dia, de noite, sem hora e nem porquê”


e eu te amo também

-t-e-a-m-o -

a mais pura e simples

forma de amar


foi você quem mostrou para mim

que o monstrinho que mora embaixo da cama

não vai me morder, machucar

nem assustar


e que ele nunca vai virar sonho ruim;

maldade


-com você eu esqueço do medo do escuro-


ao seu lado

eu não tenho

mais


pesadelo

Sobre cafuné e canções de ninar (I)

-Versão 2-

Da série: "agora eu era o herói e o meu cavalo só falava inglês"

ou

mais um poema em duas versões

ou

Baudelaire; talvez.


seus dedos longos navegam nas ondas dos meus cabelos

e começo a adormecer em seus braços

- tal uma a menina anestesiada nos sonhos perdidos da infância -


a dificuldade de dormir

sem teu corpo ao lado

cresce

com a morte dos minutos

que fogem das horas


e os dias

se esticam

distantes da ternura

do seu olhar doce,

forte

quente


sua falsa fragilidade

e o meu imenso medo

-de quebrar seu coração em cacos -

e a minha falsa fragilidade

-diante das impossibilidades -

misturam-se

no nosso medo

de que algo nos quebre

de novo


o seu abraço ansioso

e voraz

afaga meus desejos

como ondas de um mar

observado por horas

- no sobe desce das marés-

entre o esconder do dia

e o nascimento da noite


para mim,

seria necessário

que o tempo parasse

como um carro

que perde o fôlego

numa ladeira


e para ti

– ao contrário –


peço que o tempo

voe como uma Ferrari

numa pista de Formula reta

e sem parada


seria necessário

que um sinal vermelho

aparecesse em minha vida

e me impedisse de atravessar a rua

-por alguns anos –

para que

eu não me fosse desta

e nem me machucasse mais

com as cicatrizes dos dias


dessa forma,

eu estaria limpa

e livre

para tudo

quando seu sinal

virasse verde

diante de meus olhos

num dia qualquer


numa esquina movimentada,

num cruzamento encruzilhada

ninguém teria importância maior

que nosso amor

– quando o amarelo do sinal finalmente desbotasse-


assim,

nós poderíamos cobrir

nossos corpos com calores longos

– com nossos ocos grudados com cola-


tal qual envelope selado,

lacrado

onde se passa língua para guardar

esconder,

proteger

uma mentira

que não devíamos enviar


seja por vergonha,

falta de segurança

ou para revelar

nossos asperezas

rezas

– sempre

fracas em evitar frangalhos-


a porta aberta,

as mãos trêmulas,

o batom borrado,

os narizes gelados de frio,

medo, fúria

e paixão.


seus dedos armas

agitam o mar

dos meus desejos

e te encontro veleiro

- dentro de mim –

a navegar.


*Com sugestões de Gershom Nor