25.9.08

Sobre agulhas e tempo (II)


soluços, náusea e cadarços desamarrados.
dor de cabeça e fome esmagadas na roda de um carro sem freio.

falta de sorte para alguém que se espatifa no asfalto
por causa do simples desejo automático
de chegar ao outro lado da rua.

tinha tanta coisa a fazer ainda.
sonhos a realizar,
mas uma cabeça de vento
tão de vento...

tinha comprado lingerie nova para vestir de noite e
velas, incensos, óleos de massagem.

sorriso nos lábios.
atravessou a rua.
olhos fechados.
não olhou para os lados.

espatifados no asfalto
ela,
as calcinhas novas,
o desejo,
os óculos
e toda a desatenção.

a chuva lavou o sangue.

no dia seguinte, outros carros a atropelar mocinhas distraídas.
homens atentos à esperar o sinal fechar. mulheres com lingerie nova nas sacolas.
crianças melecadas de sorvete, babás , pedófilos, assassinos, casais apaixonados, maridos adúlteros, amantes, jornalistas, estudantes, tarados e poetas.

vadias, funkeiras, beatniks, punks, homossexuais, cachorras, putas, cafetões, punheteiros
todos loucos para chegar do outro lado.
cada um com sua loucura.
a pressa.
a desatenção.
todos pisando no sangue lavado no asfalto.

o mesmo asfalto de onde ela, espatifada, observava a tudo com atenção.

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