3.10.08

Sobre paisagem e movimento


Minha editora, Thereza Christina Rocque da Motta, leu o texto do afogamento e fez uns cortes nele.

Para Adriana Monteiro de Barros
nunca me afoguei em água, mas não
posso dizer que jamais me afoguei.
já me afoguei em (a)dversidades.
álcool, dor, choro, sabonete
líquido. nicotina, tapas, gritos,
pressão.
já me afoguei em lágrimas,
músicas tristes e poesia.
me afoguei em ventania e excessos.
mergulhei numa viagem sem rumo e
sem volta...
me afoguei em fumaça e em falta.
me afoguei em saudade.

em água, não! em água, eu nunca me afoguei.

só em tédio. em perguntas sem resposta. em dúvidas, desespero e medo.
em paixão desenfreada, carro desgovernado, desassossego.
em quartos sem luz, em escuridão,
colchões duros, em frio.
já me afoguei em nadas.

em tudo, não! nunca me afoguei em água.

não que algumas dessas vezes eu desejasse me afogar. nunca me afoguei por querer.
simplesmente aconteceu, todas as vezes.
afogar-se é imprevisível...

já me afoguei em telefonemas, em cartas mal escritas, em palavras não pronunciadas.
em palavras impronunciáveis. em raiva, palavrão.
já me afoguei nos outros, e até em mim mesma eu me afoguei.

em água, não! nunca.

naquilo que pode ser. no que é e no que foi... eu já me afoguei.
em planos não executados, e até no que deu certo, eu me afoguei.

sou peixe. dentro da água me comporto bem.
só me afogo fora d'água.
já desisti de aprender a nadar na imensidão.

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