20.3.09

sobre orquídeas e velhas canções (I)


Encantamento


um cobertor de estrelas

aquece sentidos e sentires

numa noite clara


pela primeira vez o vi recitar poemas próprios, -


recapitulando...


na primeira vez que o vi. ponto.

ponto;

porque foi a primeira e só isso.

nunca o tinha visto antes,

nem ouvido falar sobre,

por isso

- a surpresa ao vê-lo ali-

no palco-degrau improvisado

com o papel na mão

a recitar poemas.


não estava nervoso

por ser sua primeira

também vez;

seguro de si

e do que tinha a dizer


[na verdade não precisaria falar]


mudo

acelerou meu coração

e me fez querer fazer música

ou ter asas,


ser fada para saber voar

ou ficar invisível.


meus olhos só perseguiam os dele


[perseguir, no sentido bom da palavra]


por instantes

enquanto ele falava o poema,

o mundo parou

e

como no cinema

as outras vozes ficaram inaudíveis

e só a dele se escutava,

somente ele eu via


[ver no sentido de enxergar e sentir]


fiquei arrepiada, com os olhos cheios d’água

como se tivesse acabado de aparecer na minha frente

um alguém que já fazia parte da minha vida

ou

talvez tenha feito em algum momento anterior


dezenas de anos, centenas ou milhares


[ou uma assombração].


pensando bem,

só pelo que me fez arrepiar,

mas não assustar

não poderia ser uma assombração.

na verdade,

o que assombrou

foi a maneira com que meu corpo e alma

entraram em estado de festa

depois de tanto tempo de clausura.


pela acomodação da vida,

eles estavam presos

e

libertaram-se quando ele surgiu.


ao vê-lo ali com a mão direita apontada para o alto,

levemente arqueada,

os cabelos negros em caracol,

sobrancelhas expressivas,

olhos que sorriam como se dançassem

foi paixão à primeira vista!


[paixão no sentido do “apaixonamento”, não se tratando de desejo]


não cheguei a desejá-lo como homem

não que não merecesse ser tratado assim

em forma de desejo

no sentido literal

do binômio “macho x fêmea”

-por tantas vezes incontrolável e indomável-

no sentido sexual do desejo

de levá-lo para cama

ou do deixar-me levar.


apaixonei-me instantânea e intuitivamente

por um anjo de asas escondidas

que despertou em mim desejo de levitar,

pentear os cabelos e sorrir.


desejo de ser um unicórnio,

ter poderes mágicos,

viver sem medos,

mágoas,

ansiedade,

tristeza

ou qualquer outra coisa que o valha.


estávamos ali,

só eu e ele

só a voz dele e o “tum-tum” do meu coração

os olhos e as estrelas ao redor.


a lua fez papel de holofote e

nem os travestis,

o grau etílico das idéias,

a algazarra e os celulares

fizeram com que eu saísse do transe em que me encontrava

efeito da hipnose provocada pelo olhar dele no meu

ou meu olhar no dele.


despreocupada com a ordem das coisas,

só me resta dizer que

depois, veio a vontade incontrolável

e daí a coragem para falar com ele

para dar parabéns, para agradecer,

para ouvir mais daquela voz

e oferecer um presente surgido de mim

como o livro meu

que coloquei

naquelas mãos

e foi tão bem recebido.


idéias minhas e dele

como elo, ligação


o falar e pensar de dois

utilizado como conexão de pensamento,

alma, vida, olhar, sorriso, calmaria,

asas.


sensação tão gratificante

quanto decifrar o segredo do cadeado

daquela arca empoeirada

e esquecida no porão

de um navio no fundo do mar

vontade de me jogar do alto da montanha mais alta

em direção ao mais verde dos vales.


encantada com a certeza

de ter conhecido um “ele”

que vê pessoas como seres humanos

e não como coisas

alguém que transforma palavras em anéis de diamante

e ondas do mar


um ser que sabe o que significa

sou

porque antes de tudo

ele é

e só é

porque se deixa ser


ele sabe que há muito mais em qualquer coisa que se faça,

em qualquer atitude que se tome,

em qualquer iniciativa

de colocar a chave

na fechadura

e abrir a porta

do que em simplesmente

abrir a porta.


um “um”,

mas não qualquer um,

que percebe a beleza em janelas abertas,

pássaros no céu

e café quente ao amanhecer.


feliz por guardar meu ontem como fotografia.


tranqüila no meio da festa

isso,

foi ele

e não por acaso.


não, por acaso,

não foi.


[será espero.]


...


seremos qualquer “algo”

que caia no olho feito cisco.


qualquer cisma

ou página amarelada de livro.


seremos com o tempo

qualquer "Baudelaire"

ou papel amassado.


estaremos como ontem

unidos

por uma linha imaginária

que não se desfaz

em raios de olhares,

velas sem pavio

ou

lâmpadas queimadas.


da série: "dancing in the moonlight"

ou

isso não é um poema

Um comentário:

Pedro Lago disse...

Este singelo peregrino reverencia tuas mãos de jasmim na lágrima que, a mim, pede para nascer.