Como é horrível ser um animal.
Um animal menininha.
Usar vestidos, fazer as unhas, pintar os lábios, andar pisando leve.
Por dentro, esse animal com fome, desesperado, selvagem, irracional.
Que bom dia que nada, cara. Que boa noite, que muito obrigada. Por que você não vem me amansar?
Rasga o vestido da menininha, rasga.
Mata essa fome que eu estou de engolir seu ego, de te deixar perdido, de acabar com essa sua panca, essa sua distância.
Que se dane o esmalte falso das minhas unhas, eu que já guardei restos de células mortas da sua pele.
Tira essa cor inventada da minha boca, esse tom estúpido de flor artificial. Faça ela ficar cheia de sangue vivo, entreaberta entre um grito e um riso.
Tira esse meu andar leve e ereto, me entorta, me coloca do jeito que você gosta.
Que bom dia que nada, eu vou latir no seu ouvido se você achar que tem o poder de me magoar.
Para que ferir meu coração se você pode ferir o meu útero?
Para que dominar minha cabeça se você pode dominar o mundo pequeno e errado que eu inventei?
Eu que me faço de bem resolvida, por dentro são palpitações, são vozes de incentivo ao ataque, é calcinha de moça marcada por tanto desejo.
Eu que um dia vou ter que ser mãe, que um dia vou ter que aprender a escrever.
Eu que preciso ser levada a sério, preciso perceber que sou sozinha, preciso cuidar de mim.
Eu que agora me atraso mais um pouco, sendo apenas instintiva.
Olhando você e só querendo correr de quatro até sua canela e morder toda a lógica dessa frieza.
Querendo te enfiar dentro de mim para preencher o vazio de ser incompleta.
Para sempre a vida me deve, e eu devo tanto a ela.
Querendo calar as batidas do meu coração ansioso com nosso atrito desesperado por minutos de paz.
Para sempre o silêncio, de quem não pode pedir, mas morre de desejo, de quem acaba de conseguir, mas morre de culpa.
Olhe para mim, me dá ração que eu estou morrendo.
Olhe para mim, me deseje de novo porque eu estou murchando.
Ou apenas venha me distrair, apenas esqueça todos esses poemas falsos.
Esqueça todas essas justificativas sofridas para uma simples vontade de deitar com você de novo.
Tati Bernardi
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