18.6.09

sobre eletricidade e luz de velas (I)

Para Molly Bloom


grande novidade! "rá!" - como se eu já não soubesse que isso tudo seria mais um pedaço de nada a ser costurado na minha carne com agulha grossa e fio de nylon. grande novidade!que novidade? conta para mim algo novo para que eu perceba se ainda tenho sangue e vontade de sorrir. conta outra, uma nova, uma novidade. não! não me fale de algo que eu já saiba. não me fale de nada que já foi vivido e nem tente paralisar uma situação que não pode ser prevista - faz de conta que nada mudou ou que nunca existiu, mas me conta uma novidade. estou cansada de marasmo, estagnação. estou cansada de saber das mesmas coisas. das mesmas conversas em torno de filosofias baratas de botequim. estou cansada de não enxergar a lua no céu e de dormir todas as noites esperando por um novo dia. não quero mais amanheceres que sempre são os mesmos. não preciso dessas cores repetidas e nem de palavras - sempre as mesmas – muito menos de fotos com as mesmas poses, quadros com as mesmas cores.estou cansada de ouvir sempre a mesma novidade que não existe e de sentar no mesmo banco, de olhar o mesmo mar. de pensar no risco que corro ao atravessar a rua sem olhar para os lados e de pular sempre o mesmo precipício. estou cansada de pular o mesmo precipício e dos tombos repetidos em cima do mesmo joelho. minhas cicatrizes já estão fundas demais e minha perna já virou fratura exposta. já me expus demais. sempre me expus demais e estou cansada disso. me conta alguma novidade? algo que eu já não saiba. me apresenta um novo sabor. uma nova mistura embriagante. um prato requintado. faça com que eu experimente sensações novas. eu já me expus demais. errei demais, mas dessa vez eu fui induzida ao erro. o amor me induziu ao erro. não só essa, mas várias vezes. tantas e tantas vezes. incontáveis vezes e eu já deveria estar acostumada. é eu já deveria estar acostumada. o amor me induz ao erro e a culpa não é dele; digo - do amor. a culpa é minha. exclusivamente minha. eu que me deixo induzir pelo amor. pelo cheiro do amor. pelas possibilidades do amor. e por isso eu me ferro. eu danço. eu sempre danço e eu não sei dançar. nunca soube dançar. eu piso no pé das pessoas quando danço; tento - dançar. eu piso no pé.eu já te disse que sou estabanada e que não sei fazer contas? me conta uma novidade... vai! ah! conta! - minha matemática sempre foi falha, primária e ultimamente tenho errado além das contas o raciocínio. nunca fui fria e calculista. não sei fazer cálculos e nem subir em árvores. meu pé direito tem um osso a mais e isso faz com que ele se quebre com facilidade. sinto dores intermitentes na lateral do pé e por isso nunca pude praticar corrida e nem concorrer numa maratona - nem que fosse para salvar a vida de alguém que amo, não poderia correr. nem salvar vidas. não sei nadar atleticamente. sempre furei as bóias na aula de natação. entrava na piscina com um palito escondido no biquíni. só nado na modalidade “cachorrinho” e por isso não conseguiria nunca nesta vida fugir dos tubarões; aliás, sempre sou devorada por eles. ei! me conta uma novidade?! estou cansada de pensar nessas bobagens e devorar minhas unhas pensando nessas bobagens. eu já estou careca de saber de todas essas coisas e não uso provérbios e nem frases feitas. nunca recitei um poema debaixo d’água e consigo dominar muito bem a minha vontade de urinar. eu sempre peço desculpas quando percebo que fiz algo não considerado certo; algo que possa ser considerado errado. me diga algo que eu não saiba?! pare de se repetir. mostre para mim um novo livro de um novo autor. um novo modelo de roupa. um tênis colorido; customizado. um perfume mais francês. um novo cheiro. um novo modelo de óculos. estou cansada de bobagens e de saber de coisas que já sei.de clichês. cansada de olhar para a mesma parede branca e imaginar ela cada dia de uma forma - por mais que eu imaigine alguma coisa nova- que eu fantasie com alguma coisa nova, que eu pense em alguma coisa nova – o que vejo a minha frente são sempre figurinhas repetidas - rePETIDAS, R-E-P-E-T-I-D-A-S!!!! me conte alguma coisa que eu não sei. diga que viu um sol verde bandeira e que o céu hoje estava rosado. rosado. tão rosado que até os flamingos da Dona Lili Marinho se assustaram no jardim da casa de Laranjeiras. tão rosa que até as meninas viciadas em cor de rosa perceberam o quão berrante é essa cor e, imediatamente, a cor preferida delas transformou-se em qualquer uma que não aquela; preto talvez. me diga que você já experimentou massagem tailandesa. que já freqüentou bordéis quando era novo e que eu não sou a mulher da sua vida. isso ! me conte uma novidade. diga que tudo foi um engano. que eu não sou a mulher da sua vida que eu nunca fui - a mulher da sua vida - que você nunca me amou. diga que as molas fugiram do fundo do poço e que você nunca me amou. que tudo foi um engano. eu estou triste. muito triste hoje. alguma coisa está apagada dentro de mim. parece que cacos de vidro me consomem nesta tarde fria. sinto-me um copo de requeijão espatifado no chão. não tenho mais emoção. os fósforos apagaram-se nos meus olhos e eles não têm mais brilho. não penteei os cabelos antes de sair de casa e estou até agora descabelada. não passei maquiagem nos olhos e nem batom, nem gloss. eu falei pouco hoje e na minha mente - na minha cabeça parece que da noite para o dia nasceram demônios exterminadores de borboletas. na minha cabeça, uma carneficina de pensamentos. assassinatos. morte. triste. estou triste. muito triste. alguma coisa se apagou em mim como a chama de uma fogueira fraca apaga com uma rajada de vento. é, eu sempre soube que quem ia tomar no ** ia ser eu. eu sempre soube que quem ia se ** era eu. eu sempre soube. eu sou ingênua. sim! sou ingênua; porra! eu acredito em tanta coisa. eu faço tanta coisa sem pensar nas conseqüências que sim! pode me chamar de inconseqüente, mas sabe, medo de me jogar. de pular do precipício, de lutar, de subir a escada mais íngreme, de escalar o Everest... ah! isso eu não tenho. não tenho mesmo. eu sei que quem sempre se esborracha sou eu e por isso já deveria estar até acostumada. na minha próxima vida eu quero vir como pneu de caminhão - borracha pura. muita borracha. eu sempre me esborracho mesmo! posso vir também como borracha de aluno de alfabetização - acaba logo e sem sofrimento. uma semana e "puf!" - foi-se a borracha. diga que você se enganou e que eu fui ingênua demais. não! não me chame de medrosa. de covarde. não me diga o que fazer, o que falar. eu sempre preferi ficar quieta, ouvir a falar. você sabe que eu sempre preferi ser assim porque também, quando eum começo a falar, eu tenho medo de falar demais e estragar tudo, por isso, eu fico queita. eu sempre preferi ficar quieta. sim! sou medrosa, mas me conta uma novidade? uma novidade! em duas semanas eu faço aniversário. me conta uma novidade. conta uma novidade. uma grande novidade.

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