4.6.09

Sobre lugares distantes ou o voo de uma gaivota (I)

Da série: Não gosto muito de explicar os poemas. A poesia que eles causam, não pode ser explicada- apenas sentida- mas esse - é preciso explicar.

INTRODUÇÃO: Uma menina do meu trabalho vai ser formar em Design - a mesma profissão do Pai dela que morreu em 2002. Que como o meu pai morreu daquela doença. Daquele mal. Que começa com C e não se explica como pega - e a cura é difícil.
Ela me disse que falará na colação sobre os pais ausentes e na minha formatura - meu pai estava em coma e também não estava fisiacamente lá.

Escrevi esse poema para ela. Para ele. Mas também para mim e para meu pai- que esse mês faz 8 anos de ausente presença.

Para os ausentes (sempre)presentes

ausência não representa
não estar
presente

mesmo ausente

-presente alguém está-


seja em nossos pensamentos, lembranças

idéias,
coração


naquilo que identificamos
como nosso,

mas não um nosso
simples

-um “eu acho” , “eu concluo”-

e sim – um “concordo com ele”,
“ele me ensinou”

um
- “eu aprendi”-

aprender ...

-apreender-
é a mesma coisa que guardar lá dentro

do peito
algo que faz parte de você

-um pedaço-

tal qual as cicatrizes
dos nossos tombos de bicicleta,
o queixo rachado, o dente lascado
ou mesmo
o esmalte com o qual
nós meninas

pintamos a unha

– mesmo que momentâneo –
que mudemos de cor toda semana

a cor passa a fazer parte de nós.

sabemos disso
porque adquirimos
conhecimento

-com a convivência-

um saber
que a gente percebe
na fotografia

um olhar
emoldurado na memória

-aquele conselho-

um cartão, uma carta,
um presente

-os guardados-

um carinho guardado,
a música preferida,
aquele jantar especial,
a profissão

-as sensações-

o enxergar do orgulho nos olhos

a lembrança das mãos, do movimento,
as preferências,
os passeios

as lágrimas escorridas,
-o silêncio-

os sorrisos ao chegar em casa

e também os abraços de despedida

no meu coração
tem um buraco
que dói

quando venta

e esse buraco

vai sempre

sempre, sempre doer


-doer para sempre-

mas para sempre
terei certeza

que ele está presente

mesmo que eu não possa vê-lo

aqui na platéia


-mesmo que eu não o enxergue-

sinto que ele me olha

e sorri

e eu vejo uma lágrima tímida

a escorrer dos olhos dele

eu sei que ele

e todos os outros
e outras

que eu não posso ver


todos esses amores

que eu e vocês

-que nós-
não enxergamos

estão presentes
aqui na platéia


e que a ausência deles

é presença

em nosso coração que pulsa.


eles
nunca estarão ausentes


eles estão sempre aqui
-presentes-

dentro de nós.

Um comentário:

Juliana Porto disse...

Também escrevi algo para meu pai que também foi diagnosticado por esse mal há alguns meses atrás, mas no estado inicial, tudo foi resolvido.
Força e luz pra vocês.