
17.4.09
Sobre o que sentir (I)

difícil separar o furacão que rodopia no estômago
da tempestade que cai e recolhe fragmentos,
restos de comida, fagulhas, sucos gástricos, líquidos, cheiros, fluidos corporais
e transporta tudo para a mente.
[carrossel de palavras. lembranças. gritos.]
na pele, resquício de suor, cheiros, pêlos, poros.
corpo inteiro - ao meio- perdido no mar agitado
[ onde parou o furacão]
até parece que o afastar-se da costa, das costas, é alguma solução.
não existe solução. tudo tão confuso...
sorriso seu que é dele, idade sua que é dele, compleição física sua
[tão dele]
eu não sua e nem dele
jeito, grito, voz, palavras, cheiros... tudo tão dele.
tudo tão
nenhum pouco meu
- não mais meu-
nunca meu.
[tudo na lembrança]
eu
perdida em lembranças
braços dormentes de lembranças. mente cheia de lembranças
e não é saudade.
tudo tão similar que fica confuso
até seus olhos fechados,
seu jeito de dormir...
tão dele.
tão
nenhum pouco
meu
– feito ele.
[os três tão de outros...]
furacão rodopia no estômago
a tempestade
encharca o todo
tudo
tudo lá
tudo
[nada]
em mim.
16.4.09
A necessidade sexual é ainda mais fundamental que a fome pelo fato de ligar cada indivíduo à espécie. Pela sexualidade o próprio querer-viver se afirma no indivíduo por intermédio da espécie, ou mais exatamente na espécie por intermédio do indivíduo e além da existência individual. Eis porque importa ver no instinto sexual “o apetite dos apetites”. Jamais se poderá insistir bastante sobre sua potência e sua onipresença.
Jean Lefranc, Compreender Schopenhauer (Vozes, pg. 133)
14.4.09
Sobre paisagem e movimento (VIII)
13.4.09
sobre desafios e tons pastel (I)

DE SÉRIE: quando me vesti de esperança
o que pode ser “clichê” - quando nos colocamos no meio de um furacão e sentimos nossa respiração mais rarefeita diante de qualquer suspiro mais profundo(?). quando nos deixamos – permitimos- ser guiados por um impulso – uma vontade tão grande de deixar que palavras voem de nossa mente como se fosse imprescindível nos livrarmos de uma angústia entranhada, escondida, endurecida – em qualquer canto – e isso, nos faz sentir pequenos - como se esse sentimento fizesse parte de nossa pele ou órgão interno.
muito pior até – é como se isso tudo, fizesse parte do nosso cérebro e dessa forma– utilizasse mecanismos extremos para nos matar pouco a pouco.
longe de depressão, mas nesses últimos dois dias, tenho tentado expurgar com uma certa doçura até – esse vômito que como parasita, se grudou em mim.
vivenciei umas coisas, escutei umas palavras – que me fizeram sentir pequena - e isso de alguma forma acordou um demônio (!) - minha necessidade de saber que essas vivências, certas palavras, brigas – são desnecessárias.
como para me desintoxicar – de um vício que me consumia – pensei em como essas palavras, dizeres me faziam e fizeram mal.
uma incoerência, prepotência tão enormes sabe – uma cegueira tão maldosa- tão vil – dentro de uma convivência com alguém como eu, que dá extremo valor às palavras – e meu eu ter que ouvir que palavras não são importantes... isso despertou minha ira e agora me visto de esperança.
quando digo isso, não estou fazendo nenhuma referência à cor verde.
azul e rosa sempre foram minhas nuances preferidas
por isso,
agora-
faço questão de ser lilás.
sobre reflexões e choques elétricos (I)
sobre cor de rosa e destilados (I)
não posso mais falar do meu amor
esse amor
que escorre pelos dedos
feito água suja
que cai do céu
enferrujada
à conta gotas
devagar
amor que não faz baliza
não estaciona
não pisa no freio
não pára
nem entra em vaga
amor que vaga
e desnudo aparece
no salão mais careta
do baile de formatura
amor pelado
sem vergonha
nu
à mostra
não posso mais falar
preciso não sentir
difícil deixar para trás
certas coisas
esquecer
o meu amor
é um palhaço kamikase
que toma litros de saquê
rodopia num avião de guerra
e não consegue
enfiar a espada no peito
[seria perfeito
se ele conseguisse
enfiar a espada no peito]
mas não
ele grita, esperneia, esbraveja
respira fundo
se enche de coragem
e não passa de um ridículo
quando desiste
e volta a bater
dentro do meu coração
no pensamento
nas veias
e em vários momentos do meu dia.
é preciso ficar calada
para que a situação
se modifique
e eu deixe de me sentir
como uma trouxa de roupa
suja
esquecida no canto
de um quarto
inabitado
DA SÉRIE: é necessário que esse amor deixe de estar vivo para que eu recupere a minha paz.
8.4.09
sobre desapego e fogos de artifício (I)

não tenho mais armas para lutar.
as suas são tão mais potentes e afiadas...
minhas facas além de cegas perderam a ponta e estão enferrujadas.
suas armas são tão maiores que as minhas e a minha luta é grande demais para meus ombros e estatura.
ando curvada e não é mais possível lutar.
meu grito está preso e meus braços; cansados.
no momento é preciso que eu desista dessa guerra perdida.
não posso mais machucar-me.
não há mais espaço para cicatrizes na minha pele.
meus ossos estão quebrados,
meus nervos em frangalho,
meus olhos já sem brilho
e na mente
uma rebelião de palavras
que para você
não importam.
sou preocupada com as palavras.
dou valor a elas.
você não pode me dizer agora,
depois de tanto tempo,
que palavras
não são importantes.
nós dois juntos há tanto tempo
e agora
percebo seu pouco caso com as palavras.
eu pedi para que você as retirasse e não fui escutada.
mais uma vez, você não me ouviu.
fica difícil para mim
- quase impossível
entender -
e
por isso,
entrego minhas armas.
não vou mais lutar.
não tenho mais força.
minhas lágrimas estão em alvoroço querem a libertação.
então eu choro,
digo adeus,
sinto saudade.
Sobre demolições e água na boca (III)

é tempo de fingir,
de mentir,
dissimular.
portas e janelas
dormem
e sonham
com alguma ventania
que as faça abrifechar
desejam algum barulho,
volúpia,
insistência!!!
é urgente que um pesadelo
as desperte
ainda de madrugada
como frase fora de contexto
em briga de namorados
mistura que machuca o paladar
de baunilha e hortelã
em qualquer coração
desesperado e pré-disposto
a sangrar feito gengiva
após cirurgia de ciso
sofrer lembranças amargas
até o fim dos tempos
até o total esquecimento
de tudo que por ventura
se fez bom
todo entorpecimento,
espera
e soluços.
é tempo de fingir,
dissimular e
esquecer
escovar os dentes
tomar um calmante
acordar sem olheiras
para no dia seguinte
posar para novas
fotografias.
7.4.09
sobre sujeira e interrogações (II)

descargas elétricas
raios e choques
revelam
o que devo sentir
-formigamento do agora-
momento de desespero
no deserto
fraqueza
não esperança;
franqueza
braços, dedos, mão
adormecidos
-ilusão latejante-
pior que queimadura
fogo, carvão em brasa
-subjetividade-
ataque de formigas
sentimento
projetado na parede
do banheiro
área nobre
onde se faz possível
descarregar imperfeições,
vergonhas
local onde podemos perceber
se continuamos saudáveis
lá, contabilizamos
anos de vida
ou proximidade da morte
-água-
escorrer pelo ralo
tal qual impureza
é o mesmo
que jogar
o secador na banheira
- morte certa-
choque elétrico
destruição de medos
sem direcionamento
algum lugar
diferente da Av. Atlântica
ou de dentro de você
qualquer lugar
com postes sempre acesos,
sirenes de polícia e
esquinas imundas
6.4.09
sobre sujeira e interrogações (I)

insetos sobre pedras portuguesas
a calçada está viva
vive do chorume do lixo,
das solas dos tênis dos playboys,
das gladiadoras das meninas
e das havaianas dos turistas e locais.
o gás carbônico dos carros
-poluição-
organismo vivo
de impurezas
“Manolo’s Blahnik”
sapatos dão dois passos
e param
entram em carros blindados
habitando assim
nova superfície
- não mais limpa, nem menos suja –
microorganismo,
microcosmos
[onde também encontramos insetos
sobreviventes de bomba atômica]
-holocausto-
outro lugar não menos vivo
ou mais morto
- morto como o mar-
o mesmo mar
de onde podem surgir ondas
novas, plásticas,
límpidas
azuis claras, escuras,
royal, turquesa
ou marrons
recheadas de esgoto, espuma,
pedaços de plástico,
algas
ondas tão tais
onde
podem nadar
baratas.
4.4.09
sobre aritmética e selvageria (I)

talvez nunca encontre
no outro
o que percebo em mim
e não seja escondido
de mim
o que perco
no outro
a sorte pode ser algo
parecido com uma festa surpresa
ou de alguma forma,
cera de vela
derretida
no bolo de aniversário
o que
eu mostre
talvez,
não seja espelho
de alguém
uma página em branco
e milhares de lápis de cor
tinta guache, massa de modelar
[nuances de sorrisos e lágrimas]
qualquer sorte
no acaso
uma dúvida na pergunta:
- a resposta.
3.4.09
Sobre demolições e água na boca (II)
em algum lugar há uma porta escancarada mantida aberta por uma tartaruga de areia. vejo a minha tartaruga, hoje, furada e a areia que a recheava espalhou-se pela casa - a bagunça, preenche a maior parte do ambiente.
tudo tão vago e infantil num medo que se percebe além de qualquer sentimento. algo impossível de ser percebido - de repente - numa simples e inocente troca de aspirações, gostos e modernidades.
o gosto por ser livre escondido nas frestas.
vento que chega com força e espalha cacos de vidro e poeira pela casa. a sujeira encontra os olhos e produz lágrimas tristes. faz com que elas escorram por um rosto que iluminava-se com o brilho de algumas palavras compartilhadas.
o medo, a falta de tempo ou o desinteresse, percebidos num elogio vago. num desejo manso de que o outro fique bem sem ti. uma verdade que machuca como legumes e frutas amassados no fim da feira.
desperdício. última garfada deixada no prato. um gole esquecido no copo. pressa e tempo de mãos dadas correm e acabam por afastar abacaxis de suas cascas.
sensação de vazio
como a tartaruga de areia
(esvaziada)
que
-mantinha a porta aberta -
hoje é pano de chão.
31.3.09
sobre imensidão e terremotos (IV)

algo em mim
agoniza
tal qual
asqueroso rato
no canteiro
ele não sabe ler
avisos de perigo
e guincha
veneno deve deixar
gosto amargo na boca
assim como ausências
elas escapam
de lábios
e despertam
desejo
lábios
que nunca
encostaram
nos meus
e desejo
beijar
[é amargo este gosto]
um fim de filme
sem final
gosto ruim
de morte
na saliva
feito durex
no papel
é amargo
o gosto da busca;
do novo.
[conquista que se faz estranha]
igual à do rato
que entrou no canteiro
não sabe ler placas,
avisos -
[perigo!]
e mesmo assim,
não lhe falta
coragem.
é amargo o gosto
de uma boca inexplorada
-que se deseja explorar-
assim como podem ser doces
outros sabores
em lábios azuis de "jazz"
e talvez
eu encontre
quando entardecer.
30.3.09
sobre imensidão e terremotos (III)

veleiros no mar
do posto 9
onde foram parar
as gaivotas
e todas as suas virtudes?
a areia não pode
grudar
na minha pele
o grito virá
de longe
[do voo das minhas asas]
como um pedido de socorro
o trânsito está livre
e não tenho pressa
prefiro
observar os ambulantes
à procura do freguês
e as senhoras que
que caminham
com suas viseiras
pela ciclovia
elas confundem
"Smashing Pumpkings"
com "Iggy Pop".
fumei uns cigarros
ontem a noite-
hoje -
tosse habita
minha garganta
o vento está forte
e o mar cor de petóleo
se faz manso
ao contrário
do bicho indomável
que
para fugir,
para escapar do paraíso
faz força -
não sabe nadar.
Sobre paisagem e movimento (VII)

a rainha dança no tabuleiro
nunca aprendi a jogar xadrez
não sei qual o correto a fazer
movimentar o cavalo
ou a torre? rei, bispos, peões? -
para qual direção seguir?
jogos de tabuleiro
não são meu forte
acho difícil
decorar regras
e escalar montanhas quadradas
em preto e branco
a rainha está no tabuleiro
e espera um movimento -
me ensina a jogar xadrez?
sobre janelas e portas abertas (II)

você deita na grama e é tão europeu -
você e sua pele perfeita.
você e seu amor pelo sol.
sua ingenuidade durante o verão, suas nuances intensas.
a sujeira embaixo das suas unhas.
você tem o cabelo tão fino e anda sem nenhuma pressa.
você é bonito e fotogênico de uma maneira impossível de explicar.
você é calmo-
todo mundo presta atenção quando você fala e sorri
enquanto cuidadosamente conversa com estranhos
você é educadíssimo e tão bacana que faz tudo parecer fácil.
você não tem medo-
chora na frente dos amigos próximos
quando seu coração está partido e
tem muitos amigos.
eles adoram você
eles sempre falam as melhores coisas
sobre você
quando você está ausente -
principalmente nessas condições.
você está protegido
e é uma dessas pessoas
que nunca falam nada negativo
sobre alguém que não conhece
e ninguém pensa que você é um hipócrita.
você sempre escuta as melhores músicas -
novas ou velhas.
você sempre veste roupas simples e básicas
de um jeito que está sempre bem vestido.
você é fofo quando está cantando
ninguém se ofende quando você diz não
pessoas sempre organizam as melhores festas surpresas
para você
e você faz sempre as melhores viagens.
suas fotografias na tailândia
me deixam nostálgica
por uma coisa que
eu não vivi.
você sempre tirou boas notas na escola
e foi para os melhores festivais de música do mundo.
você é jovem e
anda com pessoas que saem nas revistas mais descoladas.
você nunca pareceu pretensioso
você não sabe cozinhar, nem dirigir ou cortar seu próprio cabelo.
seu cabelo perfeito toca a grama antes do meu.
eu vou te amar para sempre do mesmo jeito que todo mundo ama
e você
nunca vai saber.
Sobre agulhas e tempo (VII)

um nome gritado repetidamente, acorda ansiedades antigas. você pensou que estava escondido no jeito mais doce - de forma que - seus medos pudessem correr para longe de sua espinha. você rodopiava, rodava, girava uma roda de sonhos diários. o nome gritava: possibilidades.
ninguém pode trancar o futuro numa prisão feita de planos: você se deu conta de que não é nada mais que um castelo de cartas e elas resistem desprotegidas das suas asas.
27.3.09
sobre lembranaças e fotografias (I)

hoje vovó faria 99
quase 100
de qualquer coisa
[de idade, não seria]
de bagagem, vivência, lágrimas e sorrisos;
talvez
99 de "efortil"
de pressão baixa
de pão francês sem miolo
com margarina
[bochechas rosadas]
mãos finas
que retiravam do forno
sem pano nem luva
travessas quentes de inox
recheadas com bolos, pudins
bombocados, queijadinhas
a ponta dos dedos
no forno quente
unhas sempre pintadas
e bem pintadas
de um rosa cintilante
[coragem para aventurar-me
em formas de inox quentes]
herdei dela.
da vovó de joelhos lisos,
poucas rugas, cabelos curtos
um terço do estômago
um rim
e assim ela se foi
sobrevivendo
de uma doença
que só permitia a ela
lembrar do passado
[um passado
que se fazia presente]
aos 88,
só podia saber dos dez, dos 15, 20, 30...
40? nem pensar!
franzia a testa e se enfezava;
já estava velha aos 40.
[para quem estava por perto
como eu, mamãe, vovô...
era infernal!
não sabia mais nossos nomes
misturava as bolas
foi difícil, muito difícil]
-vovó, a senhora tem quantos anos?
40?
- Menos!- ela exclamava.
abria um sorriso aos 35, 33...
quanto menos, melhor.
devem ter sido bons anos
bons como os outros que se seguiram,
as lembranças da vovó
rebobinavam como VHS
quanto mais velha, mais rejuvenecia
minhas memórias
me permitem lembrar de uma cena
no mínimo engraçada
vovó e vovô
cada um numa ponta da mesa
retangular
jogando cartas
ele, se metendo na paciência dela
ela com calma
a passear pelas cartas
corrigindo distrações
matriarca
não me deixou usar calças jeans
até meus nove, dez anos
era coisa de homem - dizia
tentando ensinar para mamãe
maneiras de mulher
preconceitusa a vovó,
mas uma boa mulher.
pensamento de gente antiga
quando tudo era dividido em clubinhos
separado, setorizado
comportamento de quem nasceu
quando o mundo
os costumes
não representavam essa liberdade toda
[gente antiga
é preciso entender
essa gente]
hoje ela faria 99
com o mesmo olhar infantil,
o mesmo brilho nos olhos
joelho lisinho, sorriso maroto
espírito de aventura
e coragem
muita coragem
para enfiar a mão no forno
sem pano nem luva,
sem proteção.