8.1.07

A gênese de um mestre- Ricardo Kalil


Para quem considera o chinês Wong Kar-wai um dos diretores fundamentais do cinema atual, como este blogueiro, 2007 começa com uma bela notícia: o lançamento comercial hoje no Brasil de “Dias selvagens” (1991), 16 anos depois de sua realização.

O filme é essencial para entender a obra de Kar-wai. Primeiro, porque se trata do pouco conhecido capítulo inicial da trilogia completada por “Amor à flor da pele” (2000) e “2046 - Segredos do amor” (2005) - que fixou o nome do cineasta no imaginário dos cinéfilos do mundo todo.

Depois, porque marca a primeira parceria do cineasta com o diretor de fotografia Christopher Doyle, que, ao lado do faz-tudo William Chang (diretor de produção, de arte e figurinista), é o grande responsável pelo deslumbrante visual dos filmes de Kar-wai.

Por fim, e mais importante, “Dias selvagens” representa a gênese de um autor. Não são apenas os personagens e situações de “Amor à flor da pele” e “2046″ que são apresentados ao mundo pela primeira vez, mas também as principais marcas, fetiches e obessões de Kar-wai.

O protagonista de “Dias selvagens” é Yuddi (Leslie Cheung), jovem rebelde na Hong Kong dos anos 60. Enquanto tenta arrancar de sua mãe adotiva a identidade de sua verdadeira mãe, ele seduz primeiro a tímida vendedora Su Lizhen (Maggie Cheung) e depois da escandalosa dançarina Mimi (Carina Lau). Mas o próprio Yuddi se compara a um pássaro que passa a vida voando, que só pousa na hora em que morre, para explicar sua incapacidade de se apegar às mulheres que o amam.

Tanto Su quanto Mimi irão aparecer nos filmes posteriores da trilogia: a primeira como a grande paixão platônica do protagonista Chow (Tony Leung) em “Amor à flor da pele” (o próprio Chow aparece de maneira rápida, mas marcante, em “Dias selvagens”); a segunda como uma mulher que morre assassinada em um hotel pelo amante em “2046”. Aliás, um quarto de hotel é cenário importante nos três filmes; em “Dias selvagens”, Yuddi hospeda-se no número 204. Nos outros dois filmes, Chow fica no 2046.

Mas há algo mais importante do que esses detalhes coincidentes a unir os filmes da trilogia. Como nos dois filmes posteriores, o protagonista oculto de “Dias selvagens” é o tempo - como nossas relações amorosas são afetadas por ele, como somos incapazes de prolongar um instante, a não ser pela memória.

Na mais bela cena do filme, Yuddi pede que Su olhe para seu relógio de pulso por um minuto. Assim, os dois terão compartilhado um momento que não será esquecido; eles poderão não ficar juntos para sempre, mas terão ao menos eternizado um instante.

A grande obra-prima da trilogia de Kar-wai é “Amor à flor da pele”, filme em que todas as características de sua obra estão resumidas e combinadas com harmonia exemplar. Em “2046”, ele folcloriza um tanto as marcas de seu estilo e chega a um resultado belíssimo, mas barroco.


Em “Dias selvagens”, o cineasta ainda não domina completamente sua arte, mas já deixa entrever o futuro poeta do tempo que ele se tornou.


*Retirado do site/blog no mínimo - http://olhaso.nominimo.com.br/


Pq sim! E eu tbm acho Wong Kar-wai um dos diretores fundamentais do cinema atual.

Nenhum comentário: