30.4.09

sobre olhos abertos e delicadezas (I)



Para Maysa Britto


não machuca. não ME machuca.


você quer sentir o que sinto para atestar que não machuca? sentir que não machuca?

você quer entender qual é o lance? a mágica?–

pois é,

se eu pudesse fazer um acordo com Deus para que nós dois (eu e você) trocássemos de lugar...


eu estaria subindo aquela colina, escalando aquele prédio, não estaria aqui.

confusa.


eu não estaria assim sob esse feixe de luz azul, desfocada, em cima de um palco

tão longe de mim

a tentar costurar sentimentos desconexos no peito

com agulha e fita de cetim.


eu, uma menina perdida na chuva.

uma menina que parece o açúcar de confeitar,

a calda da cereja.


que mostra emoções enquanto lava as roupas

em uma máquina de lavar quebrada

que

gira, gira, gira.


não estaria eu, aqui, quebrada e cheia de pseudônimos

perdida na chuva.


eu estaria subindo aquela montanha se eu pudesse fazer um acordo com Deus para que nós pudéssemos fazer a nossa contagem regressiva de coisas necessárias de procura, encontro – como uma balada anos 80 perdida no inconsciente coletivo do indivíduo-

-indivíduo enquanto ser produtor de sonhos malucos –


[situações improváveis]


como eu, menina, estar em uma casa desconhecida,

em um carro que anda sem rodas,

ou até mesmo,

perdida na chuva

a conversar com meu pai.


um coração não é a chuva. não é uma chuva.

não é um ladrilho rachado e nem um ralo de banheiro.


um coração não é um programa ordinário na tv e nem um filme ruim.

não é uma peça de teatro e nem a interpretação cheia de canastrice de um ator cheio de si.


um coração

não é uma música de despedida-

não é uma despedida-

não é uma música.


não é um grupo de axé pulando freneticamente no trio elétrico

e nem uma banda de rock quebrando guitarras num festival.


um coração é um pãozinho quente com manteiga que faz “croc-croc” de manhã,

um café-quente que aconchega

uma viola em volta da fogueira.

-cama só para dois-

e uma taça de vinho para acompanhar.


é uma lingerie nova

um pomar de frutas doces

um beijo apaixonado

uma promoção no emprego

a viagem de férias.


o coração não machuca.

o coração SE machuca.


não machuca.

ele sente a martelada que machuca.


um cérebro pode machucar um coração

um tapa

uma desilusão.


outro coração? não!


não é possível um coração machucar outro coração.

o coração não machuca.


um cofre na parede não machuca.


[o coração é um cofre onde se guardam os afetos partidos.]

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