8.7.09

sobre alma e reflexos no espelho (I)

Da série: fechada para balanço


eu preciso ficar só

e redescobrir o sol

que brilha em mim


tem muitas nuvens negras

e ameaças de tempestade

por aqui;


talvez, tufões cheguem de repente

e arrastem tudo


ou um furacão passe

como uma unha que quebra no sabugo

– dói sabe-


tempestade e furacão

-provocam dor-

quando tudo é arrastado

e esse tudo pode ser somente

um simples pedaço de papel

que voa


só que é uma droga

quando depois

a gente percebe que

era um papel importante aquele


-era importante para a reunião de trabalho-


e aí

a gente se ferra na reunião

leva bronca do chefe

sai da sala arrasado

para tomar um café,

fumar um cigarro

e sentir raiva da gente

por não termos prestado

atenção nas coisas

de uma forma mais atenta


-a gente então se culpa

por não ter sido mais atento-


e eu estou sentindo essa culpa

e essa necessidade agora;

-de ser atenta-


de prestar atenção em mim,

de me enxergar

de descobrir o sol

aqui dentro


por enquanto,

só nuvens negras em mim

e eu tenho medo de raios,

trovões, relâmpagos...


eu não gosto de barulho e gritos

tenho medo de barata

e não consigo andar na enchente

então


estou parada

enquanto a chuva

desaba

em mim


chove falta de atenção e desespero

-chove vontade de ser entendida-

vontade de que eu me entenda primeiro


preciso olhar para mim

e não no espelho


preciso olhar

para dentro

de mim

e ficar só

-quieta, sozinha-


preciso me entender e

bronzear meus órgãos internos


estou úmida e gelada por dentro

-estou mofada por dentro-

e minhas extremidades

-mãos e pés-

não se aquecem de nenhuma maneira

-de nenhuma forma-


e sei que eu preciso me respeitar primeiro

para ser respeitada depois

e sei também que zombam de mim

e não me respeitam


respeitam a minha poesia

-é fato-

mas não o que eu sinto


respeitam e gargalham

das minhas bobagens,

mas não as compreendem


fazem galhofa de mim

e fofoca também

isso,

é um tipo de maltrato

e eu estou me deixando

maltratar;


só que eu estou velha demais para isso

e devo parar um pouco

e olhar para dentro

de mim


meu excesso de liberdade assusta

eu sei


sei também

que o homem sempre quis ter asas e voar

– por isso, inventou o avião, -

mas eu não preciso das asas de um meio de transporte

para voar;

tenho minhas próprias asas

– ás vezes de borboleta em outras –

de passarinho


posso ser garça,

colibri, beija-flor,

abelha, vaga-lume

– qualquer coisa que voe-


só que agora sinto

estou num momento

"João de Barro"

e preciso construir minha casa

para me abrigar da chuva

e esperar o sol


preciso procurar folhas secas,

palha, musgo, cabelos, penas

e também

barro

-duas bolinhas de barro-

para misturar com meus achados

e construir uma casinha

em cima de algum poste de luz

ou árvore desnuda


à exemplo do João-de-Barro,

-sou fiel até o fim-

e preciso me apaixonar

por mim mesma

para que a porta de casa

seja fechada

-eu me encontre-
e possa olhar para o sol
sem óculos escuros
sem solidão

sem medo

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