eu preciso ficar só
e redescobrir o sol
que brilha
e ameaças de tempestade
por aqui;
talvez, tufões cheguem de repente
e arrastem tudo
ou um furacão passe
como uma unha que quebra no sabugo
– dói sabe-
tempestade e furacão
-provocam dor-
quando tudo é arrastado
e esse tudo pode ser somente
um simples pedaço de papel
que voa
só que é uma droga
quando depois
a gente percebe que
era um papel importante aquele
-era importante para a reunião de trabalho-
e aí
a gente se ferra na reunião
leva bronca do chefe
sai da sala arrasado
para tomar um café,
fumar um cigarro
e sentir raiva da gente
por não termos prestado
atenção nas coisas
de uma forma mais atenta
-a gente então se culpa
por não ter sido mais atento-
e eu estou sentindo essa culpa
e essa necessidade agora;
-de ser atenta-
de prestar atenção em mim,
de me enxergar
de descobrir o sol
aqui dentro
por enquanto,
só nuvens negras em mim
e eu tenho medo de raios,
trovões, relâmpagos...
eu não gosto de barulho e gritos
tenho medo de barata
e não consigo andar na enchente
então
estou parada
enquanto a chuva
desaba
em mim
chove falta de atenção e desespero
-chove vontade de ser entendida-
vontade de que eu me entenda primeiro
preciso olhar para mim
e não no espelho
preciso olhar
para dentro
de mim
e ficar só
-quieta, sozinha-
preciso me entender e
bronzear meus órgãos internos
estou úmida e gelada por dentro
-estou mofada por dentro-
e minhas extremidades
-mãos e pés-
não se aquecem de nenhuma maneira
-de nenhuma forma-
e sei que eu preciso me respeitar primeiro
para ser respeitada depois
e sei também que zombam de mim
e não me respeitam
respeitam a minha poesia
-é fato-
mas não o que eu sinto
respeitam e gargalham
das minhas bobagens,
mas não as compreendem
fazem galhofa de mim
e fofoca também
isso,
é um tipo de maltrato
e eu estou me deixando
maltratar;
só que eu estou velha demais para isso
e devo parar um pouco
e olhar para dentro
de mim
meu excesso de liberdade assusta
eu sei
sei também
que o homem sempre quis ter asas e voar
– por isso, inventou o avião, -
mas eu não preciso das asas de um meio de transporte
para voar;
tenho minhas próprias asas
– ás vezes de borboleta em outras –
de passarinho
posso ser garça,
colibri, beija-flor,
abelha, vaga-lume
– qualquer coisa que voe-
só que agora sinto
estou num momento
"João de Barro"
e preciso construir minha casa
para me abrigar da chuva
e esperar o sol
preciso procurar folhas secas,
palha, musgo, cabelos, penas
e também
barro
-duas bolinhas de barro-
para misturar com meus achados
e construir uma casinha
em cima de algum poste de luz
ou árvore desnuda
à exemplo do João-de-Barro,
-sou fiel até o fim-
e preciso me apaixonar
por mim mesma
para que a porta de casa
seja fechada
-eu me encontre-e possa olhar para o sol
sem óculos escuros
sem solidão
sem medo
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