31.7.09

sobre fagulhas e pudim de leite (III)



foi muito difícil a inquisição.

me lembro de estar no meio da fogueira, mas não senti dor. ela ficou presa na minha espinha, nos meus ombros e até no dedão do pé direito - só nos ossos e bem dentro deles. tão dentro que nem pude quase sentí-la na pele.

a pele do meu corpo queimava e derretia rapidamente. parecia que eu estava envolvida em plástico. minha pele queimou tão rápido que nem senti dor. eu era um pacote vazio de salgadinho queimando na fogueira e só meus olhos ardiam com a fumaça.

foi muito difícil entrar ali. tive medo de sentir dor. uma dor que ao invés de meus olhos, fizesse me arder a alma, mas não senti dor. nem dor, nem nada.

antes de entrar ali eu tive medo, mas decidi que estava pronta quando uma amiga me segurou pelos braços e disse: levante a cabeça e vamos. parecia que estávamos entrando na igreja para casar, mas na verdade ela estava me levando para a fogueira e eu decidi: estou pronta. deixa queimar!

dizem que o fogo limpa. a mesma coisa que dizem da chuva. que a chuva limpa. sim. a chuva limpa apaga o fogo, acaba com ele. existem várias lendas a cerca desses símbolos - água, chuva, mar, sol, lua, estrelas, etc. para mim, não são apenas símbolos, mas sim, guias de vida.

é uma confiança tão completa que se torna algo assim automático parecido com o movimento de abrir os olhos de manhã ou quando a insônia vem. isso deve fazer parte da espiritualidade. ontem alguém me disse que eu era espiritualizada e se orgulhava de mim e da minha coragem.

eu também tive orgulho de mim por ter enfrentado as coisas e entrado na fogueira com a cabeça para o alto, um sorriso no rosto e minhas sapatilhas prateadas.

foi muito difícil, mas sobrevivi. dormi enrolada no meu edredom e sonhei com carneirinhos cor-de-rosa.

antes de dormir comi pipoca com sal grosso e isso limpou as tristezas, medos, angústias.
o vento carregou tudo para longe - as sextas-feiras cinzentas, os cortes nos pulsos e até os dedinhos quebrados do pé.

acordei bem. abri os olhos naquele movimento automático e minha pele já estava refeita. meus poros respiravam com tranquilidade. o céu continuava nublado e fazia frio. muito frio, mas é para abrandar o frio que existem os casacos de couro e cachecóis. ainda coloquei na mochila um guarda-chuva para caso chovesse, mas na verdade quero me molhar bastante se a chuva cair. entrar embaixo dela como se estivesse entrando no banho. quero sentir minhas roupas molhadas e o rímel escorrendo pelo rosto.

de quentura estou cansada. churrasco só para comer. fogueira apenas para assar aipim, batata doce e cebolas.

que a chuva caia, lave tudo e depois espalhe no ar aquele cheirinho delicado e doce de grama molhada. da minha infância.

2 comentários:

Pedro Lago disse...

eu moro numa aldeia do século XIII. Sempre dançamos no primeiro dia da primavera e no outono. é lindo, um dia te levo lá.
bjs
PL

jupyhollanda disse...

obaaaaaaaa!!! quero conhecer o seu Castelo.

B-Ju