10.7.09

sobre feridas expostas e lágrimas (II)


ela sempre repetia o mesmo padrão de comportamento furado. homens obssessivos, inconstantes, crueis até.

quando ela percebia que eles estavam apaixonados se sentia a mulher mais plena do mundo e se entregava. fazia a jardinagem, cuidava do jardim, plantava novas modalidades de flor, regava as mudas. até que um dia ela percebia que nem tudo eram flores e se maltratava enquanto retirava com força as ervas daninhas.

uma vez ela se deparou com urtiga e ficou com as mãos queimadas, cheias de bolha, coçando por mais de um mês. em outra ela sentou num formigueiro e até ferroada de abelha já levou, mas ela não tinha medo. ela continuava sempre e sempre com todo carinho e cuidado; debruçada naquele jardim e eles, os homens tinham tanto ciúme daquele jardim que a acusavam de infiel.
eles nem permitiam que ela colocasse fotos do jardim no porta retratos, mas ela sempre foi mulher de um só. ela nunca os traíu com aquele jardim. na verdade; ela cuidava do jardim para que um dia, algum deles dissesse: - nossa! que lindo! como você é cuidadosa. caprichosa. dedicada, etc. ah! como eu te amo por ser assim. você é especia, sabia? - mas não.

ela se maltratava por cuidar do jardim. se maltratava tanto, mas tanto que chegava a ter vontade de abrir um buraco e se enterrar viva - sem alimento, sem ar. até morrer asfixiada. sim. ela sempre desejou morrer asfixiada.

em alguns momentos, ela inventava o amor, achava que amar sozinha era melhor do que ser correspondida, mas ela sofria também e resolveu então mudar de hobby.

ao invés das flores, do jardim, o montanhismo. talvez ali, sozinha entre as montanhas se sentisse completa e fosse finalmente
compreendida.

Um comentário:

Beatriz Provasi disse...

o texto é lindo e verdadeiro! e se "ela" precisar da companhia de amigas para escalar montanhas, eu conheço uma que adora aventuras... beijos!