-Versão 2 -
Da série: "Protect me from what I want"
ou
mais um poema em duas versões
refém de si mesmamais um poema em duas versões
dormiu no calabouço
durante séculos
não tinha força para subir as escadas
-escapar-
alimentava-se de excessos
de sono, formigas
e outros insetos
- folgados insetos-
ousavam despertá-la
de vez em quando
ela os esmagava com as unhas
ainda sonâmbula
e os levava à boca.
bastavam dois
ou três
para alimentá-la
por um mês
ela
retornava ao transe
instantaneamente
e voltava para o fosso
onde era seguro
estar
- o mundo dos sonhos –
lá
ela tinha tudo!
banquetes, baile, dança, festa
príncipes, reis, amores
saias coloridas e mangas bufantes.
ela tinha quarto
uma cama
beleza, riqueza, conforto
e uma coleção enorme
de sapatinhos de cristal
-alguns com pés perdidos-
ela os guardava assim mesmo
-solitários, sozinhos, sem utilidade –
ela os guardava,
pois lembrava de cada príncipe
que deixara
de devolver o outro pé
ela se lembrava do exato momento
em que deixou o sapatinho na escada
lembrava as saudades e o porquê
sabia porque
alguns príncipes não acharam os sapatos
ou estavam atrasados
ou distraídos
ao descer a escada
-outros acharam e devolveram-
esses outros
são os que tiveram coragem
e acreditaram
no “para sempre”
[exatamente aqueles que não foram “para sempre”]
por causa desses teve força
para subir as escadas e sair
do poço,
mas a cada crescer
ela encontrava menos força,
a respiração se fazia mais lenta
e ela tinha vontade zero
de perder sapatos
tomar goles à mais de champanhe
ficar altinha, zureta
e esquecer displicentemente
sapatos na escada
ela não queria mais isso
estava cansada
de perder sapatos
e lágrimas
de esfarinhar o rímel
e esfacelar o coração
de sentir-se como uma uva pisoteada
na vinícula à cada vindima
à cada amanhecer sem aquele amor do lado
sem dia seguinte de dor e desespero
de pedaço partido
ela dormia no poço
refém de si mesma
aguardando
um príncipe
corajoso
que quebrasse o cadeado
escorregasse pela escadas
-sem medo dos leões e dos camelos-
e a beijasse por inteira
o rosto adormecido
suas pálidas bochechas
-resgatasse nova cor para elas-
fizesse lentamente seus olhos abrirem
o brilho voltar
alguém que fizesse ela sorrir
ele subiria então as escadas correndo
e deixaria o sapato no degrau
aquele presente
a acordaria
então o sopro
seria
"para sempre"
*Com sugestões de Gershom Nor
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