18.5.09

sobre passarinhos e asas de borboleta (I)




-Versão 2 -

Da série: "Protect me from what I want"
ou
mais um poema em duas versões
refém de si mesma
dormiu no calabouço
durante séculos

não tinha força para subir as escadas
-escapar-

alimentava-se de excessos
de sono, formigas
e outros insetos

- folgados insetos-
ousavam despertá-la
de vez em quando

ela os esmagava com as unhas
ainda sonâmbula
e os levava à boca.

bastavam dois
ou três
para alimentá-la
por um mês

ela
retornava ao transe
instantaneamente
e voltava para o fosso
onde era seguro
estar

- o mundo dos sonhos –


ela tinha tudo!
banquetes, baile, dança, festa
príncipes, reis, amores
saias coloridas e mangas bufantes.

ela tinha quarto
uma cama
beleza, riqueza, conforto
e uma coleção enorme
de sapatinhos de cristal
-alguns com pés perdidos-

ela os guardava assim mesmo
-solitários, sozinhos, sem utilidade –

ela os guardava,
pois lembrava de cada príncipe
que deixara
de devolver o outro pé

ela se lembrava do exato momento
em que deixou o sapatinho na escada
lembrava as saudades e o porquê

sabia porque
alguns príncipes não acharam os sapatos

ou estavam atrasados
ou distraídos
ao descer a escada

-outros acharam e devolveram-

esses outros
são os que tiveram coragem
e acreditaram
no “para sempre”

[exatamente aqueles que não foram “para sempre”]

por causa desses teve força
para subir as escadas e sair
do poço,
mas a cada crescer
ela encontrava menos força,
a respiração se fazia mais lenta

e ela tinha vontade zero
de perder sapatos
tomar goles à mais de champanhe
ficar altinha, zureta
e esquecer displicentemente

sapatos na escada
ela não queria mais isso
estava cansada
de perder sapatos
e lágrimas

de esfarinhar o rímel
e esfacelar o coração
de sentir-se como uma uva pisoteada
na vinícula à cada vindima

à cada amanhecer sem aquele amor do lado
sem dia seguinte de dor e desespero
de pedaço partido

ela dormia no poço
refém de si mesma
aguardando
um príncipe
corajoso
que quebrasse o cadeado
escorregasse pela escadas
-sem medo dos leões e dos camelos-
e a beijasse por inteira

o rosto adormecido
suas pálidas bochechas
-resgatasse nova cor para elas-

fizesse lentamente seus olhos abrirem
o brilho voltar
alguém que fizesse ela sorrir

ele subiria então as escadas correndo
e deixaria o sapato no degrau

aquele presente
a acordaria

então o sopro
seria
"para sempre"

*Com sugestões de Gershom Nor

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