Da série: "Hey sleeping beauty come back to sleep"
ou
Síndrome de Estocolmo
refém de si mesma
dormiu no calabouço
durante anos
não tinha força para subir as escadas
-escapar-
alimentava-se de excessos
de sono, formigas
e outros pequenos insetos
- folgados insetos-
ousavam despertá-la
de vez em quando
ela os esmagava com os dedos
ainda sonâmbula
e os levava à boca.
bastavam dois
ou três
para alimentá-la
por uma semana
ela
retornava ao transe
quase que instantaneamente
e voltava para o mundo
onde era seguro
estar
- o mundo dos sonhos –
lá
ela tinha tudo!
banquetes, baile, dança, festa
príncipes, sapos, patos
passarinhos, borboletas
vestidos coloridos e mangas bufantes.
ela tinha um quarto
uma cama
luxo, riqueza, conforto
e uma coleção enorme
de sapatinhos de cristal
-alguns com pés perdidos-
ela os guardava assim mesmo
-solitários, sozinhos, sem utilidade –
ela os guardava,
pois lembrava de cada príncipe
que deixara
de devolver o outro pé
ela se lembrava do exato momento
em que deixou o sapatinho na escada
lembrava o porquê
sabia porque
alguns príncipes não acharam os sapatos
sabia que ou eles estavam atrasados
ou distraídos
ao descer a escada
-outros acharam e devolveram-
esses outros
são os que tiveram coragem
os que acreditaram
no “para sempre”
[exatamente aqueles que não foram “para sempre”]
por causa desses ela teve algumas vezes força
para subir as escadas e sair
do calabouço,
mas a cada crescer
ela encontrava menos força,
a respiração se fazia mais rarefeita
e ela tinha vontade zero
de perder sapatos
tomar goles à mais de champanhe
ficar altinha, zureta
e esquecer displicentemente
sapatos na escada
ela não queria mais isso
estava cansada
de perder sapatos
e lágrimas
de borrar o rímel
de esfacelar o coração
de sentir-se como uma uva pisoteada
na vinícula à cada novo término
à cada amanhecer sem aquele amor do lado
sem dia seguinte de dor e desespero
de pedaço que falta
ela dormia no calabouço
refém de si mesma
aguardando
um príncipe
corajoso
que quebrasse o cadeado
escorregasse pela escadas
-sem medo dos leões e dos camelos-
e beijasse com volúpia e delicadeza
o rosto adormecido
suas pálidas bochechas
resgatasse nova cor para elas
fizesse lentamente seus olhos abrirem
o brilho voltar
alguém que fizesse ela sorrir
ele subiria então as escadas correndo
e deixaria o sapato no degrau
aquele presente
a acordaria
então a vida
seria
"para sempre"
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