13.5.09

sobre passarinhos e asas de borboleta (I)


Da série: "Hey sleeping beauty come back to sleep"

ou

Síndrome de Estocolmo


refém de si mesma

dormiu no calabouço

durante anos


não tinha força para subir as escadas

-escapar-


alimentava-se de excessos

de sono, formigas

e outros pequenos insetos


- folgados insetos-

ousavam despertá-la

de vez em quando


ela os esmagava com os dedos

ainda sonâmbula

e os levava à boca.


bastavam dois

ou três

para alimentá-la

por uma semana


ela

retornava ao transe

quase que instantaneamente

e voltava para o mundo

onde era seguro

estar


- o mundo dos sonhos –


ela tinha tudo!

banquetes, baile, dança, festa

príncipes, sapos, patos

passarinhos, borboletas

vestidos coloridos e mangas bufantes.


ela tinha um quarto

uma cama

luxo, riqueza, conforto

e uma coleção enorme

de sapatinhos de cristal

-alguns com pés perdidos-


ela os guardava assim mesmo

-solitários, sozinhos, sem utilidade –


ela os guardava,

pois lembrava de cada príncipe

que deixara

de devolver o outro pé


ela se lembrava do exato momento

em que deixou o sapatinho na escada

lembrava o porquê


sabia porque

alguns príncipes não acharam os sapatos

sabia que ou eles estavam atrasados

ou distraídos

ao descer a escada


-outros acharam e devolveram-


esses outros

são os que tiveram coragem

os que acreditaram

no “para sempre”


[exatamente aqueles que não foram “para sempre”]


por causa desses ela teve algumas vezes força

para subir as escadas e sair

do calabouço,

mas a cada crescer

ela encontrava menos força,

a respiração se fazia mais rarefeita

e ela tinha vontade zero

de perder sapatos

tomar goles à mais de champanhe

ficar altinha, zureta

e esquecer displicentemente

sapatos na escada


ela não queria mais isso

estava cansada

de perder sapatos

e lágrimas

de borrar o rímel

de esfacelar o coração

de sentir-se como uma uva pisoteada

na vinícula à cada novo término

à cada amanhecer sem aquele amor do lado

sem dia seguinte de dor e desespero

de pedaço que falta


ela dormia no calabouço

refém de si mesma

aguardando

um príncipe

corajoso

que quebrasse o cadeado

escorregasse pela escadas

-sem medo dos leões e dos camelos-

e beijasse com volúpia e delicadeza

o rosto adormecido

suas pálidas bochechas

resgatasse nova cor para elas

fizesse lentamente seus olhos abrirem

o brilho voltar

alguém que fizesse ela sorrir


ele subiria então as escadas correndo

e deixaria o sapato no degrau


aquele presente

a acordaria


então a vida

seria

"para sempre"


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