Desviamos dos automóveis abandonados no viaduto, saltamos sobre seus capôs, abrimos caminho batendo as portas abertas. Aos poucos, deixamos de olhar para dentro dos carros na esperança de encontrar alguém. Abaixo do elevado, o Rio Comprido desaparece sob incêndios, explosões e colunas de fumaça. Não há qualquer prova de vida por ali. Os gritos e sirenes já deixaram de soar quando, atrás de nós, o Túnel Rebouças desmorona soltando uma língua de fogo.
Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.
2.
O bonde lotado acelera zunindo, desce os trilhos de Santa Teresa com os estudantes sobre os estribos levando vento na cara até chegar ao corredor gradeado dos Arcos. Há um instante de interrupção naquele movimento, quando enxergamos o casario da Lapa e o paliteiro do Centro nos olhos um do outro. Depois, é a queda. O piso da composição nos falta sob os pés ao percebermos que os Arcos desabam lentamente por trás do nosso caminho, como uma sequência de dominós em queda que não demorará a nos alcançar.
Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.
3.
Por trás do semicírculo noturno da Praia de Copacabana, vemos o horizonte se expandir em silêncio. Os carros e pedestres que lotam a orla só perceberão a onda quando ela estiver a poucos metros da areia. A espuma apaga os postes, um rio turvo e caudaloso ganha as ruas. Cada nova onda faz o chão d’água balançar e subir de nível, os carros flutuam e chocam-se contra a fachada dos prédios, invadem janelas ao som de pequenas explosões. Saímos do quarto e subimos a escada de dois em dois degraus rumo à cobertura.
Enquanto avançamos, você tem sua mão presa à minha. Não vai soltar.
4.
O trânsito na Presidente Vargas está parado há alguns minutos e o 415 é um amontoado estático de corpos suados até que um grito inaugure a cena. Nossa pequena multidão começa a empurrar-se na direção contrária ao grupo de homens armados que pula a roleta e toma o ônibus, atirando ao acaso em um ou outro passageiro. Um grupo força a janela de emergência no teto do carro e é por lá que saímos, desviando das balas que perfuram a carroceria por baixo dos nossos pés.
Enquanto avançamos, você insiste em ter sua mão presa à minha. Não vai soltar.
5.
Por mais que eu lhe convença do contrário.
*Simplesmente lindo. Como tudo que esse cara escreve.
*Aiai!
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